quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ontem foi melhor

Mariane de Macedo


16 de setembro de 2010

            O farfalhar das folhas tocadas pelo vento na calçada era o único som identificado por Narciso. Na casa havia um silêncio que se estendia pelos cômodos, onde ainda permanecia o mesmo cheiro, que por tanto tempo o acompanhara. A casa cresceu. Existiam muitos espaços não mais habitados, tudo estava maior, até mesmo sua voz parecia alta.

           Ficar sozinho sempre fora sua predileção, mas a lembrança dos olhos negros, que pouco a pouco foram perdendo o brilho, da voz que se foi escasseando, dos beijos e carícias por obrigação, até o par de malas na porta, deixavam-no inquieto. As últimas palavras carregadas de mágoa demonstravam o tempo perdido. Caminhar, abrir e fechar portas se tornara agora sua rotina.

         Tentava retomar sua vida, mas não se lembrava mais do que gostava, do que fazia antes dela. O tempo havia passado tão rápido e nem percebera. Não se reconhecia, havia ficado frouxo, pois as lágrimas já lhe escorriam pela face. Queria acreditar que estava aliviado, que seria melhor obedecer à razão. Mas os sentimentos lhe traíam, a todo o instante, convidando-o tomar uma atitude, o que não podia fazer.

           A rede ainda estava pendurada no mesmo lugar do pátio, porém vazia. Retirou-a dos ganchos que a prendiam e dobrou-a, lentamente, para que ficasse uniforme. Só iria usá-la dali a duas estações. Quando retomou o caminho para o interior da casa, apressou o passo, olhar para trás era a saudade de ontem. Sentia raiva de si mesmo, pois vivera como se fosse infeliz, com queixas, críticas, birras e vinganças, mas toda esta verdade que lhe doía no peito forçava-o a ver que tudo isso era mentira.

        Na garagem o carro com a cor, escolhida por ela, brilhava. Pegou a chave entrou e saiu em alta velocidade. Com o vidro aberto, sentia o vento frio batendo em seu rosto. Sem rumo, apenas dirigia escutando o rádio que insistia nas mesmas melodias, que ouviam juntos. Sem perceber havia parado em um local conhecido. Levantou os olhos e viu a silhueta de uma mulher pela janela, atrás da cortina. O seu corpo gritava por ela, que sempre se entregara sussurrando, plena, quente, ardente. Essas lembranças acudiam-lhe ao cérebro atormentado, e agora eram permitidas apenas em sonhos, dos quais nunca queria acordar.

          Decorridos minutos a luz acendeu e pode vê-la melhor. De olhos fixos em suas feições, teve ânsias de guardá-la nos braços, afagar o seu cabelo sedoso. Por um momento, vagava- lhe no coração uma saudade infinita, que deixava transparecer profunda fraqueza, que lhe anulava as últimas resistências. Queria saber como estava? Com quem ela andava? Odiava não conhecer de sua rotina, mas era apenas por curiosidade, pois fizera a melhor escolha. Ao ver-se descoberto, deu ré e foi embora, assustado.

              

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