segunda-feira, 5 de julho de 2010

O SENTINELA

Mariane de Macedo

Ela vinha preocupada. A amiga de tantos anos estava passando mal. Ao chegar ao hospital, topou com um cachorro deitado na porta. Precisou pular por cima do bichinho. Ao sair, ele estava lá, no mesmo lugar, deitado com a cabeça entre as patinhas, olhos semi-abertos, numa preguiça dolorida. O limite era aquela porta, não podia entrar.
Inerte, sem poder fazer nada, o cãozinho observava o entra-e-sai das pessoas. Toda vez que a porta se abria, ele levantava as orelhas e abanava o rabo. Fazia menção de erguer-se e logo murchava outra vez. Assim, foi ficando cada vez mais encolhido, até adormecer enroscado num cantinho junto à parede.
Pela manhã, finalmente reconhece um cheiro familiar. E tenta seguir o rastro que ultrapassa a bendita porta. Num trotezinho ligeiro, avança confiante hospital adentro. Mesmo tentando uma gambeta, não escapa do porteiro:
- Te manda guaipeca!
Quanta diferença no tratamento. Em sua casa, apesar dos banhos que ele não gosta muito, dorme espichado sobre as pantufas em frente à lareira. E recebe cafuné toda a vez que se assusta com o espocar de foguetes. Se recusa a ração, ganha comida caseira, a que ele mais aprecia.
Opa! O focinho brilha se remexendo todo. O cheiro é forte. São vários odores e ele reconhece a todos. Segue-os afastando-se daquele lugar.
Entram numa casa desconhecida. Ninguém o impede de segui-los, mas ele, receoso, permanece sentado à porta. Espicha o focinho e procura um entre aqueles aromas. Sobre o centro da sala, o perfume das flores lhe confunde o faro. Mas é dali que vem o cheiro de cafuné.
Entra, todo assustado, e se aproxima cada vez mais daquele ponto. Sob aquela caixa comprida, ele adormece. Só acorda quando alguém lhe pisa na pata. Tenta fugir, mas não consegue. O ambiente é estranho e ele não encontra a saída. Vai seguindo aquela gente, devagarzinho, sempre no rastro do cheiro, que agora fica cada vez mais distante.
Correndo atrás do cortejo, um pouco na rua, às vezes na calçada, não se afasta da camionete que vai carregada de flores. Ganiça e late como que avisando que está ali, que não abandonou seu objetivo.
Chega exausto, a língua quase arrastando no chão. Sentado na sombra do muro, arquejando, balança a cabeça tentando recuperar o fôlego e resfriar o corpo. Depois, esgueirando-se entre muitas pernas, vê sumir num buraco o cheiro que perseguia.
Aos poucos, todos vão embora. Ele fica ali, deitado sobre uma pedra fria, o focinho entre as patas, gemendo fininho, até o fim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário