segunda-feira, 5 de julho de 2010

TROCANDO OS MOCACINS

20 fevereiro 2007

A tribo indígena, os Xamãs, que vivera na América do Norte, utilizava-se de um ritual ao se deparar com uma situação difícil. Para resolver, reuniam-se numa tenda, todos sentados em forma de círculo. Mas, antes de entrarem, cada um dos participantes deveria deixar seus mocasins no lado de fora, e calçar o que havia sido deixado pelo que lhe antecedera. Quando o último chegava, o primeiro que havia entrado, calçava os seus mocasins, e davam início à reunião. Acreditavam que assim, poderiam colocar-se na pele do outro.

Dias atrás, o Brasil tomou conhecimento da trágica morte de João Hélio, uma criança de apenas seis anos de idade. Ao roubarem um carro, o grupo de rapazes, arrastou por longa distância o menino que ficara preso ao cinto de segurança. Embora tenha sido alertado, o motorista não parou. Todos nós estamos questionando a atitude violenta e as circunstâncias que ocasionaram essa morte.

Não foi a primeira vez que nos deparamos com notícias assim. A morte de uma menina, de catorze anos no metrô em São Paulo. O assassinato de um índio, cuja justificativa para o ato foi que pensavam ser um mendigo. Homens e mulheres bombas espalhando o terror em nome de uma crença. E tantos outros.

Ao ouvirmos quase que diariamente notícias como essas, agimos como se tudo isto fosse normal. É a vida humana, sendo banalizada sem objetivo algum.

Sabe-se que é comum morrer gente, pois faz parte da evolução. Mas, não é normal morrer nas circunstâncias em que estamos vendo. É comum assaltos e roubos, mas não é normal vivermos enjaulados e com medo. É comum as pessoas adoecerem, mas não é normal morrerem por falta de atendimento. É comum usar ônibus para chegar em casa ou no trabalho, mas não é normal usá-lo como crematório. É comum falar no outro, mas não é normal ser maledicente e perverso. É comum as pessoas ganharem salário mínimo, mas não é normal alguém que não trabalha ganhar vinte vezes mais. É comum pobres roubarem e serem presos, mas não é normal governantes nos saquearem todos os dias e ficarem impunes.

O homem tem condições de projetar máquinas que o levam à Lua, mas não consegue adentrar no coração das pessoas que vivem debaixo do seu teto. Aliás, quando consegue viver sob o mesmo teto. Será que não é por isto que os humanos estão frios, distantes, e nem se olham mais?

Assim, quando perdemos o poder de indignação estamos compactuando para que as coisas comuns, se tornem normais. Mas isto também não é normal, e sim, comum. Precisamos nos deixar afetar para agirmos, modificando esse contexto que nos circunda.

Quando ficamos horas à frente de um aparelho de televisão, somos apenas expectadores da vida, e é comum. É necessário que saiamos do comum. Fazermos algo como atores e autores da vida. Não é porque não foi na nossa casa que temos que apenas acharmos comum. Quantas crianças e jovens ainda precisarão morrer para que tenhamos coragem de sair da acomodação e participarmos de ações de paz? Se acharmos tudo isto comum, é compreensível que se torne normal educarmos os nossos filhos com frieza, pois assim eles também não sofrerão diante do inevitável. Acreditar que o comum é normal, nada mais é que a perpetuação da barbárie. Estamos no terceiro milênio, portanto é de se esperar que o homem tenha comportamentos mais ajustados, tendo em vista que evoluiu ao longo da história. O normal é que as pessoas sejam empáticas umas com as outras. Que se olhem nos olhos. Que não percam a vida por serem índio ou mendigo.
Exercer a nossa cidadania é imprescindível. Precisamos entrar na tenda e numa ação conjunta trocarmos os mocasins, assim, evitando que pais enterrem seus filhos e com eles seus sorrisos.

Mariane de Macedo

2 comentários:

  1. Bem vinda ao mundo dos blogueiros. Espero que isto seja o início de uma caminhada muito legal. Pessoas inteligentes como voce devem expressar na escrita seus contos e suas histórias. Parabéns. Um beijão.

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  2. Obrigada querido, pelo apoio. Amo escrever e assim achei uma boa maneira de poder expressar algumas percepções. um abraço, Mariane

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