segunda-feira, 5 de julho de 2010

Síndrome de Gabriela

Mariane de Macedo

Na década de setenta os brasileiros foram agraciados com a novela Gabriela baseada no romance de Jorge Amado. O folhetim encantava as mulheres pelo imenso amor de Nasib e incendiava o imaginário masculino pela beleza da atriz. Contava, ainda, com a voz melodiosa de Gal Costa que cantava o tema do romance, repetindo o refrão da música que dizia: “Eu nasci assim, eu cresci assim e vou ser sempre assim...”.
Retomo esta saudosa imagem para uma reflexão a cerca do comportamento humano. O homem diferencia-se dos demais animais pela capacidade de raciocínio. Os macacos apresentam alguns comportamentos que parecem lançar mão desta capacidade, no entanto é instinto. Eles podem usar uma caixa de banana como banco e serem copiados por outros símios, entretanto não tem a iniciativa de usar a mesma caixa para fazer de escada ou qualquer outro instrumento que viabilize as suas manifestações, construindo um conhecimento novo a partir deste. Já os humanos apresentam todas estas condições, mas o incrível é que na maioria das vezes comportam-se com total desconhecimento deste fato.
Nasce, cresce e permanece agindo com o que foi construído no seio familiar. Repetindo comportamentos como regras eternas. Não estou me reportando aos valores morais, que deverão ser perpetuados. Refiro-me a regras inúteis, teorias vazias que atendem apenas as necessidades dos outros. Externando algo que mutila, decepando a integridade pessoal do indivíduo.
Muitas das causas das depressões são decorrentes de distonias mentais, ou seja, a contradição entre o que se quer e o que se faz. “Tenho vontade de fazer, mas o que irão dizer de mim...”.O homem então arraigado em crenças arcaicas, em uma cultura que aprisiona passando a viver de acordo com normas pré-estabelecidas, que não estão escritas em lugar algum, mas o encarceram, tolindo qualquer possibilidade de mudança.
Muitos relacionamentos afetivos que não se concretizam são baseados no medo de entregar-se e perder o controle. Na realidade o indivíduo perde o controle, quando se deixa controlar por seu imaginário que lhe enclausura na construção interna. Em decorrência disto, o amor e a afetividade assumem um papel secundário e os relacionamentos passam a ser superficiais e ausentes para não se comprometerem. Este pensamento transforma as pessoas descartáveis, como se fossem mais um móvel da casa. Alguns indivíduos são eternos insatisfeitos, juízes da vida alheia que tem solução para todos, menos para si mesmo. A vida fica vazia e sem expectativas, pois o mundo passa a ser cruel, a insegurança interna faz com que todas as coisas sejam ruins. A derrota é questão de tempo. Afinal nasceram assim, cresceram assim, e vão ser mesmo assim...sindrômicos.
A psicologia nos leva a refletir sobre a importância das trocas entre pessoas como momentos significativos no processo de evolução e amadurecimento, diz que é através da relação com o outro que mudamos as perspectivas, repensamos valores, reabsorvemos informações menos preconceituosas, mudamos os desejos que estão sempre permeando as relações. Ao convivermos estaremos abrindo campo para o espelhamento percebendo-nos através do outro. Até mesmo nas relações desarmônicas podemos tirar um ensinamento positivo, pois em tudo existe algo de bom, ainda que seja para decidirmos o que não queremos.
Existem dois caminhos a seguir: nascer assim, crescer assim, ser mesmo assim... e ficar alheio a condição de ser humano, desprezando todo o cabedal intelectual, negando a afetividade com a justificativa do não sofrimento. Entretanto, o não sofrimento é verbal, pois implica em estar só. Ou, ainda, optar Poe entregar-se a vida usufruindo tudo que ela possibilita, vivendo as alegrias com intensidade para que quando houver alguma adversidade esteja forte.
É preciso que o indivíduo se reconstrua internamente rompendo o casulo para libertar-se destes conteúdos pré-estabelecidos e através das interações sociais internalize o EU (self). Acima de tudo nas vivências temos a possibilidade de trocas acreditando que o homem se constitui em confronto com as diferenças. O cotidiano é um laboratório que acorda para o significado da vida. O que é procurado tão longe, mas que está dentro de cada um.

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