quarta-feira, 7 de julho de 2010

ISABELLAS


Mariane de Macedo


De tempos em tempos somos surpreendidos por acontecimentos que deixam a sociedade mobilizada, como no caso de Isabella Nardoni. Ficamos estarrecidos pela crueldade e frieza do ato. A população, curiosa, acompanha, passo a passo, e deseja justiça a qualquer preço. Faz plantão nas residências, nas delegacias, por onde passam os protagonistas, supostos responsáveis por esta tragédia. Os sentimentos que permeiam o comportamento das pessoas são os mais distintos, desde a curiosidade até a identificação. Alguns tratam do fato como se fosse um programa de televisão, sem se darem conta do número de Isabellas que existem ocultas por aí. No entanto, elegeram-na como representante das demais, para ilustrarem a sua própria indignação.
Nas histórias infantis, sempre ouvimos falar da madrasta perversa que, para a maioria das pessoas, não representa nenhuma novidade. Mas ainda se acreditava no pai, que sempre dava um jeito de defender os filhos. Embora algumas vezes fosse omisso, como na fábula da Cinderela. Infelizmente, os noticiários revelam, através das perícias, que não entrou outra pessoa no prédio da família Nardoni, recaindo sobre o pai da menina a suspeita de participação no episódio. Não mimetizando a fábula.
A menina foi asfixiada e posteriormente jogada do sexto andar do prédio, com a possibilidade de ter sido, inclusive, mediante a presença dos irmãos menores. Inacreditável pensar que tal procedimento parta dos cuidadores destas três crianças. Além disto, também impressiona a postura do avô e da tia, que mesmo diante das evidências da perícia, continuam camuflando uma conduta equivocada. É daí que se pode explicar a falta de afetividade de um pai que tem a filha morta e mente para defender a esposa desequilibrada. E por um motivo torpe: ciúmes.
Hoje são comuns casamentos rompidos, pessoas deixarem de se gostar, principalmente quando não existe mais respeito por parte dos cônjuges. Na maioria das vezes, o casal já tem filhos. Mas isto não deve ser impeditivo para constituir novas famílias. Assim, os filhos deverão conviver com os pais, partindo da premissa que não existe divórcio de filho. Portanto, quem casa com um homem ou mulher que possui filhos, deve ter claro que esta convivência será inevitável. Assim, o indivíduo que não tem estrutura para conviver com a realidade, não deve se arvorar ao título de padrasto ou madrasta. Mas, infelizmente nem sempre é o que acontece.
Estas relações acabam sendo permeadas de perversidade. Quando os adultos têm que enfrentar algo desconhecido, geralmente resistem. Um colega novo, um professor novo, um trabalho novo ou qualquer situação em que não estejam preparados desestrutura-os. Que atitude esperar então de uma criança? Ela que se constrói dentro da relação com os cuidadores, que são os pais. É natural que seu pai ou sua mãe, casando novamente, desperte no filho ciúmes da nova relação. De acordo com o imaginário infantil, acredita que não será mais amado - o que aconteceu no caso de Isabela - e passa a ter comportamentos de birra, condizente para uma criança. Diferente da atitude que se espera dos adultos, que devem ter o equilíbrio suficiente para orientar os pequenos. Entretanto, em adultos imaturos, a conduta é infantil. Agem como crianças, fazendo competição, dentro daquilo que foi construído pela sua paranóia.
A madrasta terceirizou sua felicidade quando passou a viver à sombra da ex-esposa, mãe da menina, que por sua vez nem estava mais preocupada com o ex-marido. Mas, na fantasia da madrasta a criança era a própria mãe. A coitada não se dava conta que quanto mais ela falava na ex-esposa, mais viva ela ficava. E em meio a patologias não tratadas, a criança sofreu as conseqüências, perdendo a vida.
Um marido que ama a esposa, e é equilibrado, não compactuaria com qualquer comportamento de agressividade. Ainda mais, contra sua própria filha. Além disto, ao compartilharem a doença de odiar a mãe da menina, mataram todos os filhos. Uma fisicamente e dois psicologicamente.
Por mais furiosa que uma pessoa esteja, ela tem noção do certo e errado. Só quando a lógica é construída para beneficio próprio, onde o indivíduo visa apenas o seu bem-estar, em detrimento do outro, ele age assim. Não tolera frustrações, exigindo ser atendido incondicionalmente. Tenta convencer os outros da injustiça que está sofrendo, usando da sedução. Alguns, inclusive choram e gritam para camuflar a própria indiferença, diante das necessidades dos outros, mesmo que sejam seus filhos. Mas, neste caso, não estamos falando propriamente de um pai, mas de um psicopata, que, por acaso, tem filho. Portanto, ambos estão no mesmo nível de desenvolvimento emocional.
Quantas Isabellas precisarão morrer para que busquemos as respostas em nós. Quando uma relação não dá certo não existe apenas um responsável, pois se pressupõe que o envolvimento seja entre duas pessoas, portanto, não é unilateral. Ambos estão imbricados neste contexto, que é só deles. A partir do momento em que há a separação, tudo acabou. Está solucionado o que já não tinha mais solução. Assim, devem tentar como pessoas maduras, conversar sobre o bem-estar dos filhos, assumindo a própria vida, sem responsabilizar o outro pela sua felicidade ou desdita.
Somente quando os sentimentos não estão esgotados, os indivíduos permitem que estes direcionem suas vidas. Ficam escravos do ressentimento, da mágoa e da raiva. Neste caso, a solução é buscar ajuda profissional.
A vida é um constante aprendizado. Necessitamos repensar as nossas atitudes. Mas, só é possível quando somos humildes, deixando a prepotência de lado, para conseguir enxergar nossas imperfeições. Os outros não têm que ser como desejamos, mas da forma que são. Se quisermos modificá-los precisamos dar o exemplo. Matar, tanto fisicamente como psicologicamente os filhos, por pior que sejam - e eles só o são porque se identificaram com a personalidade afim, dentro do grupo familiar - só demonstra a pouca saúde mental de muitos casais, que matam ou abandonam os filhos.
Para Isabella, desejamos que tenha ficado no seu imaginário as histórias dos contos de fadas, onde a princesinha maltratada sempre recebia o afago dos anjos. Para Ana Carolina Oliveira, o dia das mães não vai ser comemorado da mesma forma. Apenas um quarto vazio e silencioso, e um sussurro de “Boa noite! Dorme com Deus, Nossa Senhora e os anjinhos”, que não terá eco. Ficará a certeza do amor, que permanecerá em seu coração, por aquela luz que esteve consigo, e a acompanhará pela eternidade.

OBS: Texto escrito na época da morte de Isabela Nardoni.

2 comentários:

  1. Mariane, parabéns!
    Contundente, bacana e muito lúcido o teu texto. Que os anjos te escutem!
    Abraços, Rubem

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  2. Querido amigo, que bela visita. Fico muito feliz partindo de você, pelo comentário. Um abraço, Mariane

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